Ana, vai devagar! [destaque]

Quando perguntamos a Ana Milhazes como prefere ser apresentada, responde com o seu currículo:

Socióloga, formadora, activista ambiental, instrutora de Yoga, autora do blogue “Ana, Go Slowly” e do livro “Vida Lixo Zero” e fundadora do movimento Lixo Zero Portugal. Vive com a missão diária de viver mais devagar e de fazer o mínimo de lixo possível, de partilhar os desafios que enfrenta e de inspirar a mudança. Já realizou mais de 150 palestras e workshops em escolas, empresas e em vários eventos.

É mesmo dificil acreditar que Ana Milhazes vá devagar com tudo aquilo que se propõe fazer. Mas é assim mesmo. Defende o slow living e o desperdicio zero. Hoje destacamos um projecto muito diferente do habitual. Um projecto de vida! O projecto de vida de Ana Milhazes:

Trabalhou quase 10 anos na área das Tecnologias de Informação. A certa altura o seu corpo e mente começaram a dar sinais que precisava de ouvir. Em Agosto de 2017 foi-lhe diagnosticado Síndrome de Burnout e Depressão. Tinha ataques de pânico diários e sentia um cansaço extremo. Deixou de conseguir olhar para computador e telefone. A luz emitida por estes dispositivos faziam-na sentir completamente enjoada. Percebeu nesse momento que tinha chegado ao seu ponto de exaustão.

É impossível ficar indiferente à mudança de vida de Ana. Procurava no consumo uma espécie de compensação, como a própria afirma, hoje é minimalista. Passou de uma estilo de vida acelerado e cheio de stress a uma vida mais calma e pacata no alentejo. Apesar do tema ser a sustentabilidade, falar com a Ana confronta-nos com alguns dos aspectos mais intimos da nossa existência. Confronta-nos com o modelo de vida urbano e todas as suas vicissitudes. Faz-nos questionar a legitimidade que temos para gastar os recursos ambientais que gastamos. Contronta-nos com a nossa busca pessoal de felicidade e com o caminho que trilhamos para o fazer. E rápidamente percebemos que a sutentabilidade, no seu sentido material, se liga a muito mais. Faz-nos pensar nisto de estar vivo, do que fazemos com a nossa vida e da nossa relação com o outro.

Activa e empreendora, Ana sempre se sentiu realizada com tudo o que fez na vida. Hoje, no entanto, sente-se mais completa e realizada. Continua com mil e uma ideias e projectos, mas encontrou o equilibrio e o seu caminho. Dificil mesmo é parar de falar com a Ana. Cada questão levanta tantas outras:

Pelo seu currículo corrente e por tudo o que se propõe fazer, não parece que vai devagar.
Tem de colocar um travão, de vez em quando a si mesma ou é fácil gerir o ritmo com o qual se propõe viver?

Desde sempre que fui uma pessoa ansiosa e que gosta de fazer 1001 coisas ao mesmo tempo, então é mesmo uma aprendizagem diária isto de se viver mais devagar e de não voltar a cair no burnout e depressão. Por isso, o yoga e a meditação são ferramentas fundamentais neste caminho. No fundo, tenho que ter uma disciplina diária para me obrigar a fazer menos e a viver mais devagar. Em Fevereiro de 2020 dei mais um passo em direccção ao slow living, deixei o Porto e mudei-me para o Alentejo.

Como despertou para o desperdicio zero?

Apesar de ter sido sempre relativamente preocupada com as questões ambientais, despertei para o desperdício zero no início de 2016 quando olhei para o meu caixote do lixo  e percebi que poderia fazer muito mais, a solução não poderia ser só separar os resíduos para a reciclagem. Nessa altura, resolvi procurar informação sobre o assunto e descobri o blog da Bea Johnson “Zero Waste Home”. Adquiri o seu e-book e comecei de imediato a colocar tudo em prática.

Lixo feito por ano nos últimos anos

Qual seria o primeiro conselho que daria a uma pessoa comum para reduzir a sua pegada ecológica? Algo simples e com impacto.

Começar já! Por mais pequenina que seja a mudança o importante é mesmo começar. Diria que a seguir o mais importante é recusar tudo aquilo que não precisamos. O descartável de uma forma geral inclui-se aqui. Em Portugal, pelo menos, todos conseguimos viver sem garrafas, talheres, pratos, copos, palhinhas e sacos de plástico.

A reutilização de roupa faz parte do desperdicio zero ou há formas ainda mais eficientes de minimizar o desperdicio?

Sim, a peça mais sustentável é aquela que já existe, no nosso armário ou no armário de outra pessoa. Depois das peças já estarem no seu final de vida, podemos reutilizá-las para panos de limpeza por exemplo. Prolongar a vida útil dos tecidos é mesmo o melhor que podemos fazer. Outra coisa que podemos fazer é transformar as roupas, coser o que estiver rasgado por exemplo.

Seria capaz de comprar uma peça em segunda mão?

Apenas compro roupas em segunda mão ou faço trocas com amigas e familiares. Portanto uso tudo em segunda mão.

O minimalismo é o único caminho para a sustentabilidade ou há algum compromisso possível?

Não é o único caminho, mas é um estilo de vida que nos leva a consumir menos e, neste momento, sem dúvida que a solução passa por consumir menos, muito mais do que consumir sustentável. Temos que comprar menos coisas de uma forma geral.

Associa o lixo zero também a um estilo de vida mais lento e mais humano. A (r)evolução que propõe é também relacional? é indissociável do desperdicio zero?

Acho que alguém que defende o slow living poderá não se preocupar directamente com as questões do desperdício, mas quem se preocupa com as questões de desperdício e quem valoriza a natureza, acabará inevitavelmente por seguir os ciclos da natureza e, portanto, viver de forma mais lenta, reflectindo mais sobre o que fazemos no dia-a-dia, saindo do piloto automático e valorizando um maior contacto com a natureza. Tudo isto leva inevitavelmente a um maior contacto com os outros, percebemos que somos todos parte do mesmo mundo.

Se escolhesse uma peça no roupeiro.pt, de forma simbólica, qual seria e porquê?

Escolheria uns ténis porque é aquilo que estou a precisar, estou a usar os meus até à ultima mesmo!